Translate

quinta-feira, outubro 02, 2014

Missão Inharrime – GASTagus 2014

É sempre difícil quando me pedem para falar ou escrever sobre missão. Não porque não tenha nada para dizer mas, muito pelo contrário, porque há tanto para partilhar, para contar que se torna difícil expor tudo num papel, sem que nada fique esquecido. E também é sempre difícil conseguir passar aos outros, que não estiveram lá, aquilo que vivemos. A equipa, as pessoas, as paisagens, os cheiros, o calor húmido dos climas tropicais ou as comidas é algo que fica, para sempre, na nossa memória; imagens que sentimos e guardamos com carinho e que, quem não as experienciou, nunca conseguirá compreender o seu valor. Pode imaginar, criar algo na sua cabeça, mas nunca o irá entender na sua plenitude. E aqui reside a difícil tarefa de contar aquilo que foi a nossa missão porque, por mais que tentemos explicar, parece que nunca conseguimos transpor o que verdadeiramente sentimos ou o quão isto ou aquilo foi (e é) importante para nós. Quem passou por esta experiência, quem sentiu aquele cheiro africano, quem comeu aquele arroz tão típico ou quem pisou aquela terra vermelha, sabe do que falo. Ainda assim, vou tentar partilhar o que foi a nossa missão. E digo nossa porque não foi apenas minha, mas também de mais quatro pessoas fantásticas que comigo a partilharam.
Faz hoje um mês que, por esta hora, já tínhamos regressado a Maputo (depois de um mês onde tudo foi vivido intensamente) para voarmos, novamente, para Lisboa. Ninguém queria voltar, mas as circunstâncias assim o ditavam. O nosso trabalho tinha sido concluído e chegava a hora de partir, não obstante com uma enorme vontade de um dia poder voltar, continuar aquilo que iniciámos e ver o quão aquelas crianças cresceram e aprenderam.
Findo um mês, pensei que seria a altura ideal para me sentar e escrever sobre Moçambique. E escrever sobre este país, é falar sobre as Irmãs que tão bem e tão calorosamente nos sabem receber. É, também, agradecer-lhes pela preocupação e pelo carinho; agradecer pelas lindas palavras de boas vindas que, num bonito postal nos escreveram, e felicitá-las pelo nobre trabalho que fazem junto do povo moçambicano.
Falar sobre esta terra é, também, escrever sobre as meninas que, com uma alegria e energia imensa, dão vida àquele centro, correndo de um lado para o outro e gritando pelo mano Rui, pelo mano Eduardo, por mim (mana Sandra), pela mana Margarida ou pela mana Mafalda cujo nome, ao início, tinham dificuldade em pronunciar. É falar sobre as noites de Sexta-feira ou as tardes de Domingo (que pareciam nunca mais chegar) que passávamos juntas a trançar os cabelos (nem os meninos escaparam!) e onde se faziam algumas confissões de meninas. É recordar os jogos e as cantigas de roda, tão típicas da Infância, e voltar a ser criança sem nos importarmos de rebolar na areia, de sentar no chão ou de sujar as mãos. É ter na memória o nosso ar de desaprovação quando, por vezes, nos pediam para lhes fazermos os trabalhos de casa (as crianças arranjam com cada artimanha…!) ou recordar os progressos que faziam nas matérias escolares.
Não esqueço os professores que, um dia, connosco partilharam as suas dificuldades, as suas dúvidas, os seus medos e o quão difícil é ser professor naquela realidade. E por isso louvo o trabalho e aquilo que fazem por aqueles que, diariamente, lhes chegam com todas as suas vivências e particularidades tão distintas umas das outras!
Lembrarei, para sempre, os seminaristas que nos presentearam com uma canção e um rebuçado (que nos adoçou a alma) num genuíno gesto de agradecimento; a Azília que um dia decidiu falar; a Angélica que adora Matemática e que quer ser médica; a Sucha que não queria ir à escola jogar com os outros meninos (sabe muito melhor andar de trator de um lado para o outro); os cajús que sabem sempre bem; a Irmã Lucília que nos mostrou que o amor é o melhor que pudemos dar e que só a nossa presença já é uma bênção para aquele povo. Vem-me, também, à memória a típica cacimba matinal, com a qual iniciávamos o dia, ou o pôr-do-sol que nos indicava o fim das atividades e a hora de ir à padaria comprar o pão fresco ou a arrufada para lanchar. Recordo, com saudade, os abraços daquelas crianças; os constantes pedidos para trançar o nosso cabelo (tão diferente daquele a que estão habituadas); o tímido sorriso da Alcinda que, inicialmente, um pouco desconfiada, se dirigia a nós; as bagias que, de uma forma um pouco tosca e desajeitada, tentámos fazer; a água ou a luz que às vezes faltava; as viagens (superlotadas) de chapa ou de carrinha de caixa aberta; os cajueiros que nos dão sombra; ou as meninas que nos afirmavam, com tristeza, que quando regressassem das férias já não nos iam ver e que, por isso, nos perguntavam quando é que íamos voltar. Pergunta difícil de responder. Temos a secreta vontade de voltar mas não sabemos se alguma vez regressaremos…
E estas são apenas algumas das memórias que guardo, com carinho, no meu coração. Missão é tudo isto e muito mais. Missão pode ser tudo o que quisermos. Missão é feita por cada um de nós!


Sandra Machado
22 de Setembro de 2014 





0 comentários: